A amoralidade como método e a Justiça Eleitoral
Artigo

A amoralidade como método e a Justiça Eleitoral

Por Abdon Marinho*

DURANTE a abertura dos trabalhos da Justiça Eleitoral deste ano, ainda em janeiro, o presidente daquela corte fez um breve histórico do quanto evoluímos nesta área. Por ser o advogado mais antigo naquela sessão, sua excelência, “confirmava” comigo as histórias sobre as fraudes que ocorria na antiga cédula de papel e urna de lona; as impugnações voto a voto; as tentativas de “adivinhar” o desejo do eleitor quando a “letra” não ajudava, as apurações madrugada a dentro, os mapas de votação, etc., diversas coisas que ficaram para a história.

Apesar de todos os avanços, sua excelência fazia uma ressalva: o abuso de poder político e econômico por parte dos candidatos, burlando a vontade do eleitor e distorcendo a democracia ainda é uma chaga que precisa ser melhor enfrentada.

Este é o tema que abordaremos no presente texto.

Nos últimos dias tenho acompanhado a divulgação de áudios e textos atribuídos a um deputado estadual – e pré-candidato a prefeito da capital –, e ao seu estafe de campanha de 2018. São fatos graves.

Muito além dos palavrões, assédios, menosprezo aos cidadãos pagadores de impostos – e na maior parte dos envolvidos –, dos seus salários, chamou minha atenção a naturalidade com que aquelas pessoas (candidato, assessores, colaboradores), todos jovens e instruídos, cometem toda a sorte de impropérios – e crimes –, na intenção de alcançar os seus objetivos: a eleição do candidato.

Em nenhum momento dos diálogos (áudios ou textos) vi alguém demonstrando qualquer preocupação com a ética, muito pelo contrário, a única, pôde-se dizer “recomendação” foi para que se cometessem os “delitos” fazendo o uso de perfis falsos, os chamados “fakes”. Ou, uma outra, para que lembrassem que eram servidores públicos, ou seja, que tomassem cuidado para não serem apanhados.

Caso seja verdade o que vem sendo divulgado pela mídia – e as provas apontam em tal sentido –, antes e durante o período eleitoral de 2018, tivemos dois órgãos públicos, com atuação direta em todo estado, “trabalhando” a campanha de um candidato.

Trata-se de algo que vai muito além das preocupações do TRE com os abusos cometidos por candidatos de forma isolada.

A pergunta inicial que se faz é se isso se deu com o conhecimento e consentimento do governador do estado ou se à sua revelia? E, caso tenha tido conhecimento, por que nada foi feito para impedir?

A resposta a essa pergunta talvez seja apenas uma: a amoralidade como método para alcançar o poder – e nele manter-se –, é algo “normal” na “nova” política maranhense.

Veja que em sua defesa o “novo” deputado aponta como responsáveis pela divulgação dos áudios e vídeos – segundo ele, adulterados e manipulados –, outros deputados estaduais, que assim procedem não por apreço à justiça ou a ética na política, mas por que têm interesse na “destruição” moral do colega para se promoverem.

Noutras palavras, o que a população assiste é uma guerra de quadrilhas.

Como podemos perceber, em sendo verdade tudo isso, repito, é que a política maranhense caminha célere rumo à sarjeta moral como nunca tivemos precedentes.

Não que os políticos de outrora fossem “Santos”, longe disso, mas, se comparados aos de agora, sobretudo a estes jovens políticos que pontuam na política estadual, possuíam limites éticos que estes, nem de longe alcançam.

Estes “jovens anciãos” da nova política estadual, pelo que se tem revelado atualmente, não conhecem quaisquer limites. Pelo poder são capazes de tudo. Tudo, no sentido mais amplo da palavra.

São estas pessoas, desprovidas de qualquer senso ético, absolutamente amorais, que volta e meia falam em “nova” política, “novas” práticas, etc.

Os que se enganaram – como eu –, pensando que alternância no poder iniciada nas eleições de 2014 traria efetivamente novas práticas para a política local, diante destes fatos, e de tantos outros, já percebemos que vivemos o nosso pior pesadelo.

A constatação – e temor –, de que a Justiça Eleitoral, juntamente com o Ministério Público Eleitoral e os vários movimentos de combate à corrupção eleitoral não têm sido eficazes em banir essas práticas nefastas do cenário estadual estão aí materializadas.

Estas mesmas pessoas que cometeram toda sorte de abusos nas eleições estaduais, agora se apresentam para as eleições municipais. Querem ser prefeitos, mandar nos recursos públicos como gestores dos municípios.

A eles se somam outras centenas de pré-candidatos à prefeitos e vereadores que, praticamente, desde o encerramento das eleições de 2016, estão nas ruas cometendo seus abusos.

Em alguns municípios muitos dos que se apresentam como pré-candidatos, com recursos próprios – ou fruto de crimes –, estão “comprando” apoios de políticos ou atendendo as mais variadas demandas dos cidadãos para se promoverem.

São shows, churrascos, festas diversas, entrega de brindes, abertura de ruas, distribuição de material de construção, etc.

Isso tudo sem contar com teia de crimes digitais para autopromoção e “desconstrução” dos possíveis adversários.

Tais práticas não ocorrem apenas em rincões longínquos. Vem ocorrendo também na capital e em toda região metropolitana.

À vista de todos, temos pré-candidatos, distribuindo bens e financiando toda sorte de eventos. Já em pleno ano eleitoral, em diversos municípios, incluindo os da região metropolitana, tivemos pré-candidatos “bancando” blocos carnavalescos, inclusive com a distribuição de milhares de abadás, bebidas e até “bandecos”.

Ora, a legislação vigente proíbe que candidatos dêem quaisquer brindes aos eleitores.

Diante disso é de se perguntar o que a Justiça Eleitoral e o Ministério Público farão para impedir ou para cassar registro destes hoje anunciados como pré-candidatos que há muito tempo estão cometendo abusos.

Vai permitir que estes “abusadores” participem do processo eleitoral sem qualquer embaraço? Pessoas que compram apoios com dinheiro vivo, que distribuem bens, irão participar do pleito como os demais que não cometeram qualquer delito?

Existem exemplos de cassação de mandatos porque os então candidatos deram uma ou duas passagens de ônibus a eleitores.

Como achar razoável atualmente que pré-candidatos promovam shows artísticos caríssimos com distribuição de brindes? Que distribuam cestas básicas? Que distribuam milhares de camisetas no carnaval, além de promover blocos? Que saiam pela cidade comprando apoios? Que abram ruas? Que construam pontes? Que façam “supostas” ações sociais interessados na autopromoção?

As provas dos abusos estão aí. Basta uma ligeira pesquisa. Basta consultar, por município, quem são os pré-candidatos e o que andaram fazendo nos anos e meses que antecederam as eleições.

Noutra quadra, caso nada seja feito para impedir ou banir estas pessoas da vida pública, a política estadual, muito além do que já vem acontecendo hoje, se tornará uma “terra de ninguém” com os postulantes “comprando” mandatos eletivos nas barbas de todos e contando com a leniência da Justiça Eleitoral.

Ao meu sentir, se quisermos eleições limpas, os cidadãos de bem, o Ministério Público contando com a altivez da Justiça Eleitoral, devem impedir que estes pré-candidatos que estão aí cometendo abusos disputem as eleições municipais.

Só uma resposta à altura dos abusos será capaz de impedir que no futuro venhamos a ser confrontados com fatos como estes que estão vindo a público envolvendo a eleição de determinado deputado estadual – e que deve ter sido tônica de muitas outras.

Se não formos capazes de impedir que o mal floresça, ele, certamente, tomará conta de tudo.

*Abdon Marinho é advogado.



Comente esta reportagem