Sobre divergências e ameaças
Artigo

Sobre divergências e ameaças

Por Alexandre Antonio Vieira Vale*

Em certas ocasiões, o silêncio é sinal de sabedoria e prudência. Em outras, é a manifestação inequívoca da covardia.

A gravidade do momento que atravessamos não nos permite silenciar, como cidadãos e sociedade, ante as ameaças sofridas pelo juiz Douglas de Melo Martins, no exercício legítimo e soberano de suas atribuições funcionais, à luz do que asseguram a Constituição Federal e os demais dispositivos legais afetos à magistratura.

A prevalência do Estado Democrático e de Direito garante a todos os cidadãos a prática de suas atividades profissionais sem que disso resultem efeitos deletérios à sua dignidade e à sua integridade física.

Contudo, ameaças direcionadas a um juiz em plena vigência do ordenamento republicano se revestem de particular gravidade, porque em verdade se constituem em grave agressão ao Poder Judiciário, instância responsável pela concretização de um dos alicerces da vida em sociedade: a Justiça.

Portanto, tais ameaças devem ser objeto de profunda e detalhada investigação para que se chegue aos responsáveis, que devem arcar com as consequências de suas atitudes, nos termos que estabelece a legislação vigente.

É necessário lembrar que as ameaças ao livre exercício profissional, em algumas áreas laborais, tornaram-se rotina em nosso país. A exemplo do juiz Douglas Martins, outros magistrados, de diferentes instâncias judiciais, já foram vítimas de ameaças. Jornalistas, de múltiplos veículos de informação, têm rotineiramente sua atividade profissional cerceada, constrangida ou ameaçada, às vezes com agressões verbais e físicas. Reiteradas vezes, professores têm sido vítimas de agressões em sala de aula. Para que se tenha ideia do absurdo que permeia essa questão, até mesmo profissionais da saúde que atuam para conter a atual pandemia causada pelo coronavírus já foram, em algumas circunstâncias, ameaçados ou agredidos.

A quem atende a instauração de tal nível de instabilidade em nosso convívio? Ameaças e agressões são os únicos meios que se pode utilizar para manifestar eventuais descontentamentos e discordâncias? Qual o objetivo final de uma escalada retórica que a tudo busca desconstruir e deslegitimar, de modo inconsistente e iconoclasta, sem apresentar alternativas viáveis? O que tem levado certas pessoas a cultivar com tanta veemência as insondáveis pulsões de Tânatos? Que tipo de sociedade pretendemos construir se permitirmos a prevalência do ódio?

Evidente que a pluralidade de opiniões pode ser enriquecedora. Cristalino e insofismável que devemos aprender a conviver com as dissonâncias e divergências. É inegociável a liberdade de expressão que preserva a dignidade humana. Por fim, se afigura nítido que um dos principais desafios de uma realidade cada vez mais complexa, híbrida e em constante transformação é o de nos despirmos de nossas frágeis certezas e nos vocacionarmos ao permanente diálogo.

Para abrirmos mão de princípios e valores? Para tudo relativizarmos e tornamos palatável ao sabor das circunstâncias? Para que todas as fronteiras da razoabilidade se diluam e se consolide a natural aceitação de todos os absurdos? Para que a inalienável subjetividade que nos caracteriza seja substituída pela permanente abulia? Para que a reação a tudo que circunstancialmente nos descontente seja a formulação de ameaças? Negativo.

Acredito que sempre há uma forma de manifestarmos nossos argumentos e discordâncias que não passa pelo exercício implícito ou explícito da violência. A questão é saber se a isso estamos dispostos. O ponto crucial é entender se de fato consideramos o outro como um interlocutor aceitável e legítimo, em seus argumentos e percepções. Em meu entendimento, muitas vezes não temos levado em consideração esses aspectos.

Entretanto, é possível mudar de comportamento. Todo o esforço de construção social que nos conduziu até o presente momento histórico não deve ser perdido em reações impulsivas, descontroladas e sem nexo causal. Sabemos das graves imperfeições da realidade em que vivemos e o quanto é imperativo atuarmos para modificá-la. Há inúmeros desafios que estão a exigir de cada um de nós ações fortalecedoras da empatia e da fraternidade. O ódio ou o silêncio complacente não nos conduzirão às transformações indispensáveis à nossa permanência como humanidade.

*Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Especialista em Gestão Pública.



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