Moro na terceira via
Artigo

Moro na terceira via

Por Abdon Marinho*

LEMBRO que minhas primeiras lições de política tive-as com um senhorzinho já ido nos anos e que morava a duas casas da casa de meu pai, em Gonçalves Dias, chamado Paulo Santu, lá pelos fins dos anos setenta e começo dos oitenta, quando saindo do povoado Centro Novo, fomos habitar aquela urbe.

Seu Paulo morava em uma casa antiga simples em estilo neoclássico com janelas altas e paredes grossas. Era alfabetizado e gostava muito de política. Era, também, um “devoto” de Sarney – e digo devoto no sentido literal –, na sala principal, a de visitas”, de cimento queimado e paredes caiadas, em meio aos retratos dos santos, lá estava, emoldurado, o retrato de Sarney. Se não me falha a memória, ao lado de um Sagrado Coração de Jesus e um de Nossa Senhora. Era o retrato do Sarney acadêmico da Academia Brasileira de Letras - ABL que o mesmo confeccionara logo após a posse da ABL e mandara distribuir aos seus aliados Maranhão afora, juntamente com um suplemento com o discurso, alguma obra ou biografia.

Eram textos ou obras que o seu Paulo Santu lia com inigualável devoção. Nunca soube se chegou a conhecer o ex-presidente por quem nutria tanto apreço. Acredito que não.

Como amigo dos filhos –pois tinha uma vasta prole –, estava sempre por sua casa e vez ou outra conversava com ele.

Certa vez, falando sobre um político local, disse: —Ah, seu Paulo, agora Fulano se acabou. Ele, então me respondeu: — Que nada, meu filho, todo cachorro tem suas pulgas.

Em outra situação, também política, disse-me que nunca vira alguém jogar pedras em árvores sem frutos. Além da clássica “não se chuta cachorro morto”.

Pois bem, faço essa introdução para adentrar ao assunto principal deste texto: a viabilidade de uma terceira via política protagonizada pelo ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro em um cenário de político de guerra onde se opõem os bolsonaristas e os lulistas.

Sempre achei que o brasileiro médio não é dado a radicalização, preferindo um caminho mais ao centro.

Disse isso em 2018 e acabei “quebrando a cara” pois uma grande parcela dos cidadãos brasileiros, cansados com os desgovernos petistas, acabaram elegendo o senhor Bolsonaro.

A despeito disso, acredito que a eleição do atual presidente foi um “ponto fora da curva”, que, acredito, não se repetirá em 2022.

Acredito, ainda, que o voto de protesto das últimas eleições dará lugar a uma decisão mais comedida.

Até então, por benefício mútuo, as duas principais candidaturas postas apostavam na radicalização dos discursos.

Pois bem, a partir da filiação partidária de Moro os dois candidatos acima começaram a mesclar os discursos. Continuam apostando que a radicalização poderá os levar a repetir o segundo turno de 2018, mas, já enxergando que o “fator Moro” pode ser um complicador.

A prova disso é que se “uniram” nos ataques ao ex-juiz.

Aí lembrei das velhas lições de Paulo Santu.

Se acham que a disputa se dará entre os dois, por quais motivos, orientam as “bases” e até mesmo pessoalmente, lançam ataques uniformes a este candidato? A resposta é que já devem ter descoberto que o possível candidato do Podemos tem potencial para crescer e ameaçar a vitória de ambos.

Primeiro, derrotando um para ir para o segundo turno e, depois, derrotando o que sobrar.

Não estivessem “vendo” tal possibilidade, o comportamento dos dois principais candidatos seria outro: estimular o maior número de candidaturas da chamada “terceira via”, fragmentando o máximo que pudessem tal votação e apostarem no discursos radicais de sorte a repetirem o que ocorreu há quatro anos.

Não devemos esquecer o número recorde de abstenção, votos nulos ou brancos que tivemos naquele pleito.

Nestes poucos dias após a filiação partidária, o ex-juiz vem mostrando possuir a “liga” que pode aglutinar todos os descontentes em torno de uma terceira via.

As primeiras pesquisas atestam que já saiu na frente de Ciro Gomes, ex-candidato à presidência desde sempre e um dos quadros técnicos mais preparados da República; e muito adiante dos demais nomes postos que deverão disputar como “figurantes”.

Partidos grandes como o União Brasil (ex-DEM e PSL) e personagens importantes, como o general aposentado Santos Cruz, já se aproximam do Podemos e do ex-juiz que, como candidato, não ficou devendo muitos aos profissionais da política.

Do outro lado, embora muito fortes, temos o Lula e o Bolsonaro.

Os últimos acontecimentos revelam que o Lula e o petismo, depois de tudo, até mesmo de uma temporada como hóspedes do estado, não aprenderam nada.

Continuam “adoradores” de ditaduras asquerosas ao redor do mundo; defensores de pautas atrasadas; insultando a inteligência do povo brasileiro e incapazes de uma autocrítica.

São os mesmos Lula e PT que se opuseram a eleição no Colégio Eleitoral, em 1985, a Constituição de 1988, a Plano Real; que defenderam e participaram da destruição da Venezuela; que extraditaram atletas perseguidos para Cuba e que acham que eleições na Nicarágua com todo tipo de repressão é comparável ao processo eleitoral da Alemanha.

Por mais que tentem consertar a fala do Lula, a verdade é que ele acha que se Ângela Merkel pode ficar no poder 16 anos, o seu amigo Daniel Ortega também pode, independente do faça para isso, inclusive, prender toda a oposição. Não foi assim na defesa do chavismo quando engendravam a destruição da Venezuela?

E sobre a corrupção nos governos petistas? Insultam o povo com o discurso que nunca ocorreu, tudo foi “perseguição do Moro”.

Fingem esquecer que desde que chegaram ao poder, em 2003, se associaram as maiores quadrilhas especializadas em aliviar os cofres públicos; que o “mensalão” e depois o “petrolão” sangraram o país em bilhões e bilhões de dólares – pois corrupção que vale a pena tem que ser em dólar –, e que o Lula só está solto por conta de “inexplicáveis” artifícios jurídicos e não por ser inocente.

Outro dia li que faltavam U$ 14 bilhões de dólares para “fechar” a conta da inocência do Lula. Este é o montado recursos recuperados ou a recuperar antes que o “acordão envolvendo todo mundo” acabasse com a “Lava a Jato”.
Acredito que está conta diga respeito “apenas” aos que foram e estavam sendo recuperados pela Operação Lava Jato de Curitiba.

E o Bolsonaro? O Bolsonaro é apenas um pândego que nunca governou, nunca teve aptidão para governar e que nunca governará; o que diz durante o dia – nestes quase três anos de “desgoverno” –, foi desmentido no começo da noite, no máximo, no dia seguinte.

Compulsivo pela mentira e despreparado a não mais poder, fez disso uma estratégia para se manter no poder ainda iludindo uma massa de incautos, quando, na verdade, o governo é exercido pelo “centrão”.

Sim, o mesmo centrão que foi “sócio majoritário” das bandalhas do petismo.

O mantra do incauto Bolsonaro é dizer que é melhor ser do “centrão” do que do “esquerdão”, discurso tosco para a massa ignara.

Sem falar nas outras mazelas, como crise cambial, crise ambiental, crise sanitária, desmonte do serviço público, “rachadinhas”, “micheques”, cartão corporativo e termos virado chacota no cenário internacional, mas, apenas, na principal “plataforma” do bolsonarismo: o combate à corrupção, segundo dizem, o “bolsolão”, que nada mais é do que o velho “mensalão” dos governos petistas, já consumiu, só esse ano, mais de R$ 30 bilhões.

Isso só através das chamadas “emendas de relator”, que Bolsonaro poderia ter vetado e não fez, já levaram, “na cara dura”, do cofres da viúva.

E vejam que coisa interessante: nos tempos da “nova política” do bolsonarismo não querem nem que a patuleia saiba quem se locupletou do dinheiro público, “transparência só daqui pra frente”.

Será que esse povo não “cora” de constrangimento ao defenderem tais absurdos? Quer dizer que as excelências “levam” trinta bi do orçamento da União e os idiotas pagadores de impostos não têm nem o direito de saber. É isso mesmo? Essa é a nova política?

Neste cenário de “Mad Max”, em que o povo brasileiro se depara com a possibilidade de retorno ao desastre petista ou continuar com o governo do centrão tendo à frente um presidente que “não diz coisa com coisa”, não é fora de propósito o aparecimento de uma “terceira via” capaz de se opor a ambos.

É assim que vejo essa rápida ascensão de Moro na terceira via, sem contar que é muito engraçado assistir os lulopetistas e os bolsonaristas “unidos” contra alguma coisa.

* Abdon Marinho é advogado.



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