O recrudescimento da pandemia de Covid-19, lamentavelmente, resulta em mais de mil mortes diárias. Cifra terrível que não se via desde agosto passado, e elevou o total de óbitos para mais de 636 mil. Contudo, apesar desse caos, há sentimento de antecipação da corrida presidencial. Para instigar o debate sobre os temas essenciais da economia, que pautarão a campanha eleitoral, o jornal Folha de S. Paulo, trouxe, em janeiro, artigos de economistas ligados aos presidenciáveis Ciro Gomes, João Dória, Lula e Sérgio Moro. Convidados a participar das discussões, Rodrigo Pacheco e Simone Tebet, além do presidente Bolsonaro, alegando motivos diversos, abstiveram-se. É importante extrair desses textos, até como sinalização para o eleitor, as propostas dos candidatos, e que deverão nortear o país nos próximos anos, caso um deles seja o eleito.
Nelson Marconi (professor da FGV), representando Ciro, aposta no incentivo à indústria, para ganhar participação no comércio mundial. Para ele é necessário resolver o problema fiscal, porém no médio prazo, deixando a trajetória da dívida pública sustentável. Para isso, preconiza a redução de isenções de impostos, uma tributação que cobre mais de quem ganha mais, a suavização de tarifas sobre a produção e a melhoria da qualidade do gasto público. Fala de ações para reduzir a inflação e o endividamento privado. Há sugestão de um plano nacional de desenvolvimento, acordado entre os setores público e privado, que mire o desenvolvimento científico e tecnológico, a redução de desigualdades e a melhoria de indicadores sociais. Esses parâmetros se recuperarão pelo avanço na qualidade dos empregos, o aperfeiçoamento educacional e ações direcionadas aos menos favorecidos. A administração pública perseguirá as metas desse plano, atuando de modo flexível, controlando resultados e bonificando o desempenho. A questão ambiental é oportunidade de investimentos, pelo desenvolvimento de fontes alternativas de energia, novos usos do petróleo, modificações na produção de carnes e outros alimentos, introdução de uma infraestrutura de baixo emprego de carbono. Para o docente da FGV é indispensável alterar o modelo econômico fracassado que prevalece há décadas.
Henrique Meirelles (Secretário de Fazenda de SP), do time de Dória, entende que os dois principais desafios brasileiros são: voltar a crescer e reduzir a desigualdade social. Para dar conta da primeira questão, é necessário elevar o investimento e a eficiência produtiva, tendo o setor privado como protagonista dessa missão, e aperfeiçoar a atuação estatal. Para diminuir a desigualdade social é imprescindível o crescimento sustentado do emprego e da remuneração dos trabalhadores, a criação de riquezas e uma arrecadação tributária que financie programas de transferência de renda para os mais desassistidos. O Estado deve estar presente em áreas em que sua atuação dê mais retornos para a sociedade, tendo menos atribuições, mas realizando melhor suas tarefas, com foco no cidadão. A gestão pública necessita ser forte, porém não volumosa, objetivando garantir qualidade de vida e chances de prosperidade para os cidadãos. Para tanto, deve-se: (i) resgatar a estabilidade econômica; (ii) mitigar a desigualdade social; (iii) investir maciçamente em educação; e (iv) estimular um cenário de negócios que viabilize a produção e seja ambientalmente sustentável, preze pela segurança jurídica, e forneça condições para o setor privado ampliar investimentos e ser protagonista do crescimento e da geração de emprego. Ainda no campo ambiental, as regras devem impulsionar ações privadas que estimulem uma economia carbono zero.
Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda), da equipe de Lula, critica o governo Bolsonaro e afirma que ele pratica um neoliberalismo retrógrado, que não é mais aplicado em nenhuma nação relevante. Mantega faz uma retrospectiva muito peculiar e generosa dos governos Lula e Dilma, e acredita que não há soluções simples para superar a situação crítica legada por Temer e Bolsonaro. Para sobrepujar o colapso, será necessário um programa de desenvolvimento econômico e social que reconstrua o país, combata a fome e proporcione condições de sobrevivência da população pobre. O governo necessitará coordenar um plano de investimentos públicos e privados, para ampliar a infraestrutura, aumentar a produtividade e gerar empregos. O projeto de investimentos deve ser de longo prazo, que sustente o crescimento e o aumento da produtividade. É indispensável uma reforma tributária que simplifique os tributos, reduza a taxação dos mais pobres e aumente os impostos dos mais ricos. O Banco Central deve controlar a inflação, sem abusar dos juros, para manter o crescimento e impedir custos elevados da dívida pública. As políticas industriais e de investimento tecnológico, que redundem em maior competitividade da indústria, devem ser resgatadas, sem menosprezar os temas ambientais. Para Mantega, a eleição decidirá sobre a continuidade do neoliberalismo ou o retorno do social-desenvolvimentismo, que leve ao Estado de bem-estar social.
Affonso Celso Pastore (ex-presidente do Banco Central), líder da assessoria econômica de Moro, enfatiza que o alvo de um programa de governo é a retomada de um crescimento econômico que seja inclusivo (eliminando a pobreza extrema e melhorando a distribuição de renda) e sustentável (com o Estado defendendo o meio ambiente). A retomada do crescimento requer um arcabouço fiscal que permita ampliar gastos em tempos de crise e conter despesas em períodos de normalidade, para manter a dívida pública em padrões sustentáveis. Os recursos orçamentários deverão ser voltados para atividades com maior retorno social, que redundem em ganhos para toda a sociedade. O cenário de negócios deve ser previsível, para estimular investimentos e aumentar a eficiência produtiva, devendo ser removidas distorções, com os impostos recaindo mais sobre os que têm maior poder aquisitivo. O setor privado, mediante concessões, deverá investir na infraestrutura. Para tanto, devem ser introduzidos aperfeiçoamentos regulatórios que resultem em segurança jurídica e aumento da competição. O governo deve reduzir a pobreza com ações em educação, saúde e transferências de renda, que “deem a todos o mesmo ponto de partida”. O Brasil tem ainda que se preocupar com as questões ambientais, pois os desleixos com esse tema levam a penalidades, infligidas por outros países, à nossa eficiente agricultura.
Essa é uma síntese das propostas iniciais dos economistas relacionados aos presidenciáveis postos. Servem de parâmetro para a sociedade. Todavia, não se deve esquecer que entre as intenções e as complexidades da economia e da política há uma colossal distância.
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*Doutorando em Administração, Mestre em Economia e Economista ([email protected])
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