A descoberta somente agora das peças originais do inquérito que apurou o Caso “Ópera Prima” demonstra que os envolvidos no escândalo não se entendiam quando o assunto era o rateio do dinheiro desviado. A testemunha-chave do golpe revelou à polícia momentos de tensão da parte final da “operação”, quando um prefeito que operava os repasses ameaçou trancar metade dos recursos, caso não recebesse de volta, em dinheiro vivo, o valor sacado do seu município em forma de contrapartida.
“Ópera Prima” foi o nome dado pela imprensa ao esquema de desvio de recursos da Saúde do Estado, via prefeituras de Caxias e Mata Roma, para as contas bancárias de Aderson Lago, ex-secretário chefe da Casa Civil do governo Jackson Lago, e dos seus filhos Aderson Lago Neto e Rodrigo Pires Ferreira Lago. Rodrigo, apesar de destinatário de parte do dinheiro desviado, e, portanto, tecnicamente receptador de furto, não foi indiciado pela polícia e não se tornou réu no processo. Ele agora é o secretario da Transparência do governo Flávio Dino.
A cota para ser “operada” pela prefeitura de Caxias foi em forma de convênio, no valor de R$ 500 mil, maquiado como reforço para a compra de medicamentos e material hospitalar. A esses R$ 500 mil o então prefeito Humberto Coutinho (PDT), hoje presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, deveria acrescentar R$ 50 mil, como contrapartida e, aí sim, licitar uma compra de R$ 550 mil. Um processo de licitação foi simulado e deu como vencedora uma empresa fantasma que só fornecia notas fiscais frias.
Segundo a testemunha, que era contador de Aderson Lago, o desentendimento se deu porque Humberto Coutinho teria exigido o retorno dos R$ 50. “O combinado era que esse dinheiro retornaria para ele”- revelou. Mas quando já havia recebido R$ 250 mil, Lago mandou dizer que não devolveria nada. Aí, diz o contador, o prefeito retrucou, afirmando que não repassaria o restante. Foi então que Aderson voltou atrás, sacou os R$ 50 mil no banco e despachou o dinheiro de volta.
Outro acerto não cumprido, segundo a mesma fonte, foi quanto ao volume de mercadoria de fato comprada e entregue à Saúde de Caxias. O contador disse que o acordo era de, pelo menos R$ 100 mil, mas que Aderson só comprou R$ 20 mil. O então prefeito de Caxias só não descobriu que foi enganado porque quem recebeu as compras foi o servidor Renê Simões, que tinha envolvimento com Aderson Lago e que também acabou indiciado pela polícia.
Ao contrario dos casos dos desvios de Mata Roma, já transformados em processo, tendo como réus, dentre outros, Aderson Lago (pai) e Aderson Lago (filho), o de Caxias permanece inquérito, à espera da apuração do envolvimento de Humberto Coutinho. Há poucos dias o juiz da 3a. Vara de Caxias enviou o caso para o Tribunal de Justiça do Estado, vez que, agora, HC é deputado estadual, situação que lhe confere foro privilegiado.
Trecho do depoimento do contador de Aderson Lago
(páginas 89, 90 e 91 do volume 01 do Inquérito Policial 008/2009 CICCEE)
“...QUE, esclarece que no momento de celebrar o convênio com o Estado, a Prefeitura de Caxias/MA, na pessoa do Prefeito HUMBERTO COUTINHO, exigiu de ADERSON LAGO que fosse, pelo menos, fornecido, dos R$ 550.000.00 (quinhentos e cinquenta mil reais) do convênio, R$ 100.000,00 (cem mil reais) em mercadorias; QUE, ADERSON LAGO, a princípio aceitou, dizendo que assim que HUMBERTO COUTINHO efetuasse o pagamento para a P. R. Cardoso forneceria os R$ 100.000,00 (cem mil reais) de mercadoria, porém ADERSON LAGO mudou de ideia e apenas determinou ao declarante que levasse R$ 20.000,00 (vinte mil reais), produtos que este transportou em seu próprio veículo, os quais foram entregues para o senhor RENÊ SIMÕES, em um dos postos de saúde daquela cidade; QUE, o prefeito HUMBERTO COUTINHO também exigiu de ADERSON LAGO, que lhe fosse devolvido a contrapartida, os R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) que caberia ao município, no entanto ADERSON LAGO fez objeção em devolver esse valor e por conta disso HUMBERTO COUTINHO disse que só depositaria na conta corrente da empresa P. R. Cardoso os valores restantes das duas parcelas do convênio, R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) cada, após receber os R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) da contrapartida, e só então ADERSON LAGO concordou, sendo sacado nesta capital e entregue para HUMBERTO COUTINHO na cidade de Caxias/MA...”
Annderson Rommel Rabelo Garreto/Contador