Acusação de recusa de matrícula à criança autista pelo Educallis expõe norma discriminatória do CEE-MA
Cotidiano

Acusação de recusa de matrícula à criança autista pelo Educallis expõe norma discriminatória do CEE-MA

Colégio da rede particular em São Luís nega acusação, mas confirma ter utilizado resolução do Conselho Estadual de Educação que impõe até três PCDs por turma regular. Prática é inconstitucional e configura crime

O pai de um menino de cinco anos, diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista), acusou o Colégio Educallis, da rede particular de ensino, localizado na área nobre de São Luís, de negativa de matrícula em razão da deficiência da criança.

O colégio nega a acusação, diz que a denúncia está sendo disseminada de forma irresponsável e que seguiu resolução do CEE (Conselho Estadual de Educação) do Maranhão que estabelece a inclusão de até três alunos com deficiência por turma regular.

O episódio ocorreu nessa sexta-feira (3), e foi relatado pelo pai em uma rede social, em vídeo que mostra ainda uma funcionária do colégio confirmando ter vagas disponíveis na unidade, mas apenas para alunos neurotípicos, isto é, que apresentam o desenvolvimento neurológico dentro dos padrões regulares e esperados para a idade e sem nenhum tipo de prejuízo no processo cognitivo, de ensino e aprendizagem nem necessitam de suporte para atividades diárias –fato confirmado pelo próprio Educallis em nota sobre o episódio, embora sob alegação de não ter discriminado o menor.

O nome do pai será omitido para preservar a identidade do menino.

Instituída há mais de duas décadas, e mantida até hoje apesar de protestos de mães, pais e responsáveis por alunos autistas, a resolução 291/2002 do CEE-MA, utilizada pelo Educallis para simular atuação legal no episódio, não tem amparo legal nem jurisprudencial, e é inconstitucional.

Obsoleta, a norma ainda se refere à PCD (pessoa com deficiência) como “portador de deficiência”, expressão desumanizante e capacitista atualmente desaconselhável pois coloca o foco na deficiência, em vez da pessoa. O capacitismo é uma forma de discriminação que afeta pessoas com deficiência e limita sua participação plena na sociedade.

Os direitos dos autistas estão respaldados na Constituição, com aplicabilidade imediata e imperativa por serem fundamentais, assegurando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; na Convenção Internacional e no Estatuto da PCD; na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); e na lei que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, dentre outras matérias já pacificadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Diversamente do que impõe a resolução do CEE do Maranhão, não existe limite legal de vagas para alunos com deficiência por turma. Ao contrário: o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) garante “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. O conceito de educação inclusiva parte da premissa que todos os estudantes –com ou sem deficiência– podem aprender juntos. Logo, existindo vaga disponível, negar matrícula a estudante autista, considerado legalmente pessoa com deficiência, para todos os fins legais, configura crime.

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/2015), constitui crime punível com reclusão de até cinco anos e multa recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência.

A alegação de que não recusou matrícula e que ainda ofertou ao pai a inclusão da criança em uma lista de espera, feita de forma oficial pelo Educallis, portanto, pode ser enquadrada como procrastinação e coação para desistência da vaga, o que é crime e pode ter pena agravada em 1/3 quando praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 anos.

A autoridade competente pela gestão do colégio, segundo a Lei Berenice Piana (12.764/2012), pode também ser punida com multa de até 20 salários-mínimos –e perder o cargo, em caso de reincidência.

Além disso, apesar de, segundo relatou o pai, o filho autista ter sido aprovado em todos os testes do colégio, conforme a legislação brasileira (7.853/1989), em vez de submeter o aluno autista a processo seletivo, deve haver apenas avaliação de cunho pedagógico e de acolhimento pela unidade de ensino. Qualquer prática diferente, é discriminatória, passível também de multa e prisão.

O ATUAL7 solicitou posicionamento do CEE-MA sobre o ocorrido, mas não houve retorno até o momento. Roberto Mauro Gurgel Rocha, presidente do órgão, em contato por aplicativo de mensagens, disse apenas que levará o assunto para análise da plenária do Conselho, na próxima quinta-feira (9).

Como denunciar negativa de matrícula à PCD

Familiares e responsáveis que estejam encontrando dificuldades para garantir os direitos de autistas devem recorrer ao Ministério Público, à Polícia Civil ou à Defensoria Pública. Também à Comissão Estadual de Educação.

No caso de impedimentos na rede particular, deve ser oficiado também o Procon (Instituto de Promoção e Defesa do Cidadão e Consumidor).

É preciso reunir provas da discriminação, tudo documentado: o pedido de matrícula, a recusa e o motivo da recusa –como, por exemplo, a gravação feita pelo pai e a nota do Colégio Educallis confirmando que havia vagas disponíveis, e mesmo assim rejeitou a matrícula da criança por ser autista baseada em norma incompatível com a Constituição e o regramento legal do país.

No âmbito judicial, há três caminhos possíveis para garantia da matrícula: mandado de segurança; ação de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela; ou uma ação civil pública, por se tratar de direito coletivo, que pode ser proposta por associações civis, seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública e Ministério Público.



Comentários 1

  1. Herschell

    Como é que se coloca no CEE pessoas totalmente despreparadas para dirigir um órgão dessa magnitude ,não se atualizam e isso mostra a falta de compromisso com a educação no estado .

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