O deputado federal Duarte Júnior (PSB-MA) reforçou neste domingo (5) a cobrança de mães, pais e responsáveis por PCDs (pessoas com deficiência) pela revogação de uma norma criada há duas décadas pelo CEE (Conselho Estadual de Educação) do Maranhão que, na prática, estimula gestores de escolas a negarem matrículas nas redes de ensino pública e privada.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o parlamentar disse ter marcado com o vice-governador e secretário de Estado da Educação, Felipe Camarão (PT), uma reunião na sede da pasta para esta segunda-feira (6), com objetivo de tornar nula a resolução do que permite a inclusão de apenas até três alunos por turma regular. Sem amparo na Constituição, a regra foi utilizada na semana passada pelo Colégio Educallis, localizado na área nobre de São Luís e pertencente à rede particular, para recusar matrícula à uma criança com autismo de cinco anos.
“Nessa reunião, amanhã, ao meio dia, vamos encaminhar a determinação para que o Conselho Estadual de Educação revogue qualquer resolução que venha liminar o acesso de crianças, alunos, com algum tipo de deficiência nas escolas públicas e privadas no estado do Maranhão”, declarou o deputado.
Ex-presidente do Procon (Instituto de Promoção e Defesa do Cidadão e Consumidor) no Maranhão, Duarte é pai de um menino com Síndrome de Down, e tem histórico de atuação em defesa dos direitos humanos e das minorias, além de consumidores.
Contudo, apesar da forte repercussão contra o Educallis após o pai da criança denunciar o caso, e de conhecer a fundo a ilegitimidade da resolução do CEE-MA, o deputado havia feito críticas ao ocorrido de forma genérica, e foi criticado nas redes sociais.
No vídeo em que agora reforça publicamente a cobrança pela revogação da norma, ele afirma que o pai do menino que teve a matrícula negada participará da reunião na SEDUC, e que já estava atuando no caso pela anulação da medida discriminatória.
“É uma grande vitória, porque com a revogação dessa resolução não vai ter mais nenhum tipo de desculpa. Vamos conseguir garantir educação de qualidade e, verdadeiramente, inclusiva”, declarou.
Mais cedo, o ATUAL7 publicou que Camarão vai encaminhar, também amanhã, orientação ao CEE-MA para alterar ou revogar a norma discriminatória.
“Vou orientar e requerer, formalmente, a alteração ou revogação da mesma”, disse.
Também está prevista para esta segunda-feira reunião do Conselho Estadual de Educação para analisar o ocorrido, de acordo com o presidente do órgão, Roberto Mauro.
Ao ATUAL7, ele disse que o encontro será apenas preparatório, com alguns conselheiros. Questionado sobre quais já teriam a presença confirmada, e o horário da reunião, ele não respondeu. Uma plenária com todo o colegiado, marcada para a próxima quinta-feira (9), ainda segundo Mauro, segue mantida, mas também sem confirmação de horário.
“Vamos ter uma reunião preliminar com alguns Conselheiros antes de reunir nosso Colegiado”, afirmou.
Criado pela Lei Estadual 2.235/1962, alterada pela Lei 8.720 /2007, o Conselho Estadual de Educação é um órgão colegiado de caráter normativo, consultivo, deliberativo e propositivo. É composto por 15 membros titulares e 7 suplentes, nomeados pelo mandatário do Estado, dentre pessoas consideradas de notório saber e experiência em matéria de educação. Em tese, devem participar do órgão mantido com recursos da SEDUC (Secretaria de Estado da Educação) o Poder Público, as entidades mantenedoras dos estabelecimentos escolares, professores, mães e pais de alunos e representantes de instituições de ensino superior públicas estaduais e municipais.
Direitos
Os direitos dos autistas estão respaldados na Constituição, com aplicabilidade imediata e imperativa por serem fundamentais, assegurando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; na Convenção Internacional e no Estatuto da PCD; na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); e na lei que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, dentre outras matérias já pacificadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Diversamente do que impõe a resolução do CEE do Maranhão, não existe limite legal de vagas para alunos com deficiência por turma. Ao contrário: o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) garante “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. O conceito de educação inclusiva parte da premissa que todos os estudantes –com ou sem deficiência– podem aprender juntos. Logo, existindo vaga disponível, negar matrícula a estudante autista, considerado legalmente pessoa com deficiência, para todos os fins legais, configura crime.
De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/2015), constitui crime punível com reclusão de até cinco anos e multa recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência.
A alegação de que não recusou matrícula e que ainda ofertou ao pai a inclusão da criança em uma lista de espera, feita de forma oficial pelo Educallis, portanto, pode ser enquadrada como procrastinação e coação para desistência da vaga, o que é crime e pode ter pena agravada em 1/3 quando praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 anos.
A autoridade competente pela gestão do colégio, segundo a Lei Berenice Piana (12.764/2012), pode também ser punida com multa de até 20 salários-mínimos –e perder o cargo, em caso de reincidência.
Além disso, apesar de, segundo relatou o pai, o filho autista ter sido aprovado em todos os testes do colégio, conforme a legislação brasileira (7.853/1989), em vez de submeter o aluno autista a processo seletivo, deve haver apenas avaliação de cunho pedagógico e de acolhimento pela unidade de ensino. Qualquer prática diferente, é discriminatória, passível também de multa e prisão.
Como denunciar negativa de matrícula para PCD
Familiares e responsáveis que estejam encontrando dificuldades para garantir os direitos de autistas devem recorrer ao Ministério Público, à Polícia Civil ou à Defensoria Pública. Também à Comissão Estadual de Educação.
No caso de impedimentos na rede particular, deve ser oficiado também o Procon (Instituto de Promoção e Defesa do Cidadão e Consumidor).
É preciso reunir provas da discriminação –como, por exemplo, a gravação feita pelo pai e a nota do Colégio Educallis confirmando que havia vagas disponíveis, e mesmo assim rejeitou a matrícula da criança por ser autista baseada em norma incompatível com a Constituição e o regramento legal do país.
No âmbito judicial, há três caminhos possíveis para garantia da matrícula: mandado de segurança; ação de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela; ou uma ação civil pública, por se tratar de direito coletivo, que pode ser proposta por associações civis, seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública e Ministério Público.