O vice-governador e secretário de Estado da Educação, Felipe Camarão (PT), afirmou neste domingo (5) que vai defender junto ao CEE (Conselho Estadual de Educação) do Maranhão que a resolução que estimula a inclusão de apenas até três alunos com deficiência por turma regular seja reformada ou anulada pelo órgão.
“Vou orientar e requerer, formalmente, a alteração ou revogação da mesma”, afirmou ao ATUAL7, em resposta a questionamento sobre o uso da norma na última sexta-feira (3) pelo Colégio Educallis, da rede de ensino particular de São Luís, para negar a matrícula a um menino autista de cinco anos.
De acordo com Camarão, o documento será enviado ao CEE-MA nesta segunda-feira (6).
Também está prevista para amanhã reunião do Conselho Estadual de Educação para analisar o ocorrido, segundo o presidente do órgão, Roberto Mauro.
Ao ATUAL7, ele disse que o encontro será apenas preparatório, com alguns conselheiros. Questionado sobre quais já teriam a presença confirmada, e o horário da reunião, ele não respondeu. Uma plenária com todo o colegiado, marcada para a próxima quinta-feira (9), ainda segundo Mauro, segue mantida, mas também sem confirmação de horário.
“Vamos ter uma reunião preliminar com alguns Conselheiros antes de reunir nosso Colegiado”, disse.
Criado pela Lei Estadual 2.235/1962, alterada pela Lei 8.720 /2007, o Conselho Estadual de Educação é um órgão colegiado de caráter normativo, consultivo, deliberativo e propositivo. É composto por 15 membros titulares e 7 suplentes, nomeados pelo mandatário do Estado, dentre pessoas consideradas de notório saber e experiência em matéria de educação. Em tese, devem participar do órgão mantido com recursos da SEDUC (Secretaria de Estado da Educação) o Poder Público, as entidades mantenedoras dos estabelecimentos escolares, professores, mães e pais de alunos e representantes de instituições de ensino superior públicas estaduais e municipais.
A discriminação contra a criança diagnosticada com TEA (Transtorno do Espectro Autista) foi denunciada pelo pai do menino em vídeo divulgado nas redes sociais. Na gravação, uma funcionária do Educallis aparece afirmando ter vagas disponíveis no colégio, mas apenas para alunos neurotípicos, isto é, que apresentam o desenvolvimento neurológico dentro dos padrões regulares e esperados para a idade –fato reafirmado pela própria unidade particular de ensino em nota sobre o episódio, embora sob alegação de não ter recusado matricular o menor.
O nome do pai será omitido para preservar a identidade do menino.
Instituída há mais de duas décadas, e mantida até hoje apesar de protestos de mães, pais e responsáveis por alunos autistas, a resolução 291/2002 do CEE-MA, utilizada pelo Educallis, não tem amparo legal nem jurisprudencial, e é inconstitucional.
Obsoleta, a norma ainda se refere à PCD (pessoa com deficiência) como “portador de deficiência”, expressão desumanizante e capacitista atualmente desaconselhável pois coloca o foco na deficiência, em vez da pessoa. O capacitismo é uma forma de discriminação que afeta pessoas com deficiência e limita sua participação plena na sociedade.
Os direitos dos autistas estão respaldados na Constituição, com aplicabilidade imediata e imperativa por serem fundamentais, assegurando que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; na Convenção Internacional e no Estatuto da PCD; na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); e na lei que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, dentre outras matérias já pacificadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Diversamente do que impõe a resolução do CEE do Maranhão, não existe limite legal de vagas para alunos com deficiência por turma. Ao contrário: o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) garante “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. O conceito de educação inclusiva parte da premissa que todos os estudantes –com ou sem deficiência– podem aprender juntos. Logo, existindo vaga disponível, negar matrícula a estudante autista, considerado legalmente pessoa com deficiência, para todos os fins legais, configura crime.
De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.146/2015), constitui crime punível com reclusão de até cinco anos e multa recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência.
A alegação de que não recusou matrícula e que ainda ofertou ao pai a inclusão da criança em uma lista de espera, feita de forma oficial pelo Educallis, portanto, pode ser enquadrada como procrastinação e coação para desistência da vaga, o que é crime e pode ter pena agravada em 1/3 quando praticado contra pessoa com deficiência menor de 18 anos.
A autoridade competente pela gestão do colégio, segundo a Lei Berenice Piana (12.764/2012), pode também ser punida com multa de até 20 salários-mínimos –e perder o cargo, em caso de reincidência.
Além disso, apesar de, segundo relatou o pai, o filho autista ter sido aprovado em todos os testes do colégio, conforme a legislação brasileira (7.853/1989), em vez de submeter o aluno autista a processo seletivo, deve haver apenas avaliação de cunho pedagógico e de acolhimento pela unidade de ensino. Qualquer prática diferente, é discriminatória, passível também de multa e prisão.
Como denunciar negativa de matrícula para PCD
Familiares e responsáveis que estejam encontrando dificuldades para garantir os direitos de autistas devem recorrer ao Ministério Público, à Polícia Civil ou à Defensoria Pública. Também à Comissão Estadual de Educação.
No caso de impedimentos na rede particular, deve ser oficiado também o Procon (Instituto de Promoção e Defesa do Cidadão e Consumidor).
É preciso reunir provas da discriminação –como, por exemplo, a gravação feita pelo pai e a nota do Colégio Educallis confirmando que havia vagas disponíveis, e mesmo assim rejeitou a matrícula da criança por ser autista baseada em norma incompatível com a Constituição e o regramento legal do país.
No âmbito judicial, há três caminhos possíveis para garantia da matrícula: mandado de segurança; ação de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela; ou uma ação civil pública, por se tratar de direito coletivo, que pode ser proposta por associações civis, seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública e Ministério Público.