Única mulher na disputa: Flávia Alves e o cenário de sub-representação feminina em São Luís

Capital do Maranhão soma 24 anos de eleições municipais com participação feminina limitada na disputa pelo Executivo

Aos 42 anos, Flávia Alves (Solidariedade) entra pela primeira vez na corrida pela Prefeitura de São Luís. Em 2024, ela é a única mulher a disputar o cargo. Além de Flávia, a corrida pelo Executivo municipal quase contou com outra candidata feminina: Janicelma Fernandes (Rede), que agora concorre a vereadora na cidade. O ATUAL7 conversou com essas duas candidatas para entender os desafios em um cenário de sub-representação feminina.

Embora os dados indiquem que as mulheres representam 54% do eleitorado em São Luís, nos últimos 24 anos, apenas sete candidaturas femininas foram registradas para o cargo de prefeita, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O ATUAL7 conversou com Flávia Alves para entender os desafios de ser a única representante mulher no pleito eleitoral para a prefeitura de São Luís em 2024. A candidata revelou que encara a campanha como uma missão em defesa da representatividade feminina e com consciência de que é preciso enfrentar a política de gênero.

“Para ser candidata, tive que me tornar presidente do meu partido, caso contrário, provavelmente mais um homem estaria na disputa. Infelizmente, a igualdade de gênero não é realidade e a política ainda é um cenário de predominância masculina, comprovado por números. Sou a única mulher candidata a prefeita de São Luís, porém, na última disputa, em 2020, nenhuma mulher concorreu. Nossa representatividade cresceu, mas ainda há barreiras a superar”, pontua Flávia.

Quando questionada sobre o seu plano de governo e como ela aborda as pautas femininas, a candidata afirma que é o que mais contempla políticas para as mulheres. Segundo ela, as propostas são amplas e vão desde a garantia a direitos básicos, como saúde, educação e segurança, a políticas efetivas de combate à violência.

“Na educação temos um olhar especial para as mulheres. Propomos a transição para o atendimento em tempo integral em todas as instituições de educação infantil e fundamental para as famílias que se interessarem por esse sistema. Muitas mães deixam de trabalhar porque não têm com quem deixar seus filhos. Entendemos que o emprego é o viés da liberdade, e mulheres empregadas evitam violência de toda a natureza”, afirma.

Para Flávia, as mulheres-mães não são priorizadas com propostas que envolvem saúde e dignidade. Uma das suas propostas é implantar a primeira maternidade municipal de São Luís e assegurar uma rede de assistência, que envolve desde o planejamento familiar, com atendimento ao pré-natal, puerpério, até os anos iniciais da criança, com vagas nas creches de tempo integral. 

Uma das ações da candidata para promover a igualdade de gênero na política é garantir que, se eleita, 50% dos cargos na Prefeitura de São Luís sejam ocupados por mulheres a partir de 1º de janeiro de 2025.

O plano de governo completo da candidata está disponível para consulta pública no site do DivulgaCandContas, do TSE.

Desafios de gênero

Conforme os dados do TSE, entre os 171 candidatos a prefeito nas capitais em 2024, somente 36 (21%) são mulheres. No Nordeste, São Luís está ao lado de Teresina (PI), Natal (RN) e Salvador (BA) com apenas uma representante mulher na disputa pelo Poder Executivo. 

Para a pesquisadora de comunicação e gênero da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Camilla Tavares, a realidade de sub-representação feminina em São Luís é uma tendência nacional. “Há no imaginário social a ideia que a política é um lugar masculino, no qual a mulher não pertence. Mesmo com os avanços que tivemos, inclusive na legislação, essa infelizmente ainda é a realidade”, expõe. 

A pesquisadora afirma que as mulheres enfrentam mais resistência e preconceitos da sociedade quando decidem se candidatar a cargos públicos, além dos fatores institucionais, financeiros e sociais. Camilla explica que a mulher ainda é associada como a responsável pelo lar e pela família. “Então quando ela entra na vida pública, além dos desafios institucionais/partidários, ela ainda enfrenta questionamentos referentes à vida privada, diferente dos homens”, frisa. 

Ela afirma que superar esse cenário exige um conjunto de ações. O primeiro passo é incentivar mais mulheres a ingressarem na política; o segundo, desenvolver uma consciência coletiva sobre a importância da representatividade feminina. Além disso, é fundamental criar oportunidades de participação, como o fortalecimento de redes de apoio.

“As cotas tentam garantir uma representatividade mínima na disputa. Elas não garantem a eleição. Então embora seja uma política que já tenha surtido efeitos positivos, não consegue, por si só, colocar mais mulheres nos cargos de representação política”, destaca Camilla.

Segundo a pesquisadora, a ocupação de mais cargos políticos por mulheres tende a ampliar as políticas públicas voltadas para essa população. No entanto, ela destaca que apenas eleger mulheres não é suficiente, especialmente se elas não estiverem comprometidas com a expansão dos direitos femininos. É essencial escolher candidatas que realmente defendam a luta pela igualdade de gênero.

Para a representante da União Brasileira de Mulheres no Maranhão (UBM-MA), a escritora Luzinete Silva, não basta ser mulher, é preciso que seja comprometida com os direitos das mulheres. 

“Mulheres engajadas e conhecedoras da causa feminina, das problemáticas que enfrentamos no dia a dia. Existem mulheres com uma concepção muito machista e a gente sabe que a  sociedade patriarcal não está escassa, está sempre na ofensiva e isso diretamente está ligado nas concepções políticas de muitas mulheres, então nem toda mulher me representa”, afirma.

Violência política e pressão partidária

Em 2024, São Luís quase teve duas candidatas mulheres concorrendo nas eleições municipais para Prefeitura de São Luís. Janicelma Fernandes chegou a ser anunciada como pré-candidata pela Federação PSOL-Rede, mas por motivos partidários internos acabou sendo deixada de lado na disputa. 

De acordo com o TSE, uma federação partidária é a união de dois ou mais partidos para atuarem de forma unificada em todo o país, funcionando como um teste para uma possível fusão ou incorporação de legendas. Atualmente, o Brasil possui três federações, incluindo a Federação PSOL-Rede, presidida no Maranhão por Janicelma Fernandes.

Janicelma, atualmente concorrendo a vereadora nas eleições municipais, foi procurada pela reportagem para explicar o que ocorreu no processo de escolha do representante da federação no Maranhão. Segundo a postulante ao cargo legislativo, ela era oficialmente a candidata da federação no estado e estava determinada a lutar por esse espaço.

Ela afirma que estava ciente de que teria que enfrentar o dirigente do PSOL, que, segundo ela, queria ser indicado para a candidatura, apesar de não possuir legitimidade.

 “Mesmo eu sendo a prioridade nacional do meu partido (prova disso foi o volume de recursos destinado à minha candidatura), o cenário nacional exige que tenhamos mais parlamentares e, no momento, não teríamos condições reais de enfrentar as duas estruturas postas para duelar pela prefeitura de São Luís. Sendo assim, avaliamos que seria mais viável, para o momento, a candidatura a vereadora”, comenta.

Janicelma destaca que contava com o apoio da executiva nacional de seu partido, mas enfrentou pressão local e violência política por parte de membros do PSOL. No entanto, ela afirma que sua desistência não foi motivada por essas pressões, mas pela necessidade de ajustar a estratégia para assegurar a eleição de mais parlamentares pelo partido.

“Houve sim divergências dentro da federação causadas por dirigentes do PSOL, que sem embasamentos insistiam em não aceitar a presença de uma mulher liderando, já que eu estou presidenta da Federação. Somos a maioria na federação (Rede 5 e Psol 2) e mesmo sem eles, poderíamos avançar com a minha candidatura”, expõe. 

Mesmo com o impasse nas eleições de 2024, Janicelma afirma que pretende ser prefeita de São Luís. “Estou me preparando para essa batalha e enfrentamento com aqueles que acham que lugar de mulher não é na política”, dispara.

Prefeitas de São Luís

Na sua trajetória, São Luís contou com três mulheres à frente da prefeitura. A primeira foi Lia Varella, uma mulher negra, normalista, advogada e servidora da Justiça Federal do Maranhão. Ela assumiu a prefeitura interinamente em duas ocasiões, em 1978 e 1979, devido à sua posição como presidente da Câmara Municipal, cargo que ocupou por três mandatos

Em 1986, Gardênia Gonçalves tornou-se a primeira prefeita eleita por voto popular na cidade. Anos depois, em 1993, Conceição Andrade, também advogada, assumiu o cargo por meio de uma eleição, sendo a última mulher a ocupar a prefeitura até o momento.


Comentários

Uma resposta para “Única mulher na disputa: Flávia Alves e o cenário de sub-representação feminina em São Luís”

  1. Excelente matéria! Porém, houve equívoco na utilização da imagem atribuída a Gardenia Ribeiro Gonçalves. A fotografia usada é de Dona Isaura, mãe da ex-prefeita.

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