Comissão de Infectologia que assessora a SES é contra kit com cloroquina para pacientes leves com Covid-19
Cotidiano

Comissão de Infectologia que assessora a SES é contra kit com cloroquina para pacientes leves com Covid-19

Em parecer entregue ontem 18, com base em estudos científicos, especialistas enfatizam a necessidade de distanciamento social e ampliação da testagem

A Comissão de Infectologia que assessora a SES (Secretaria de Estado da Saúde) no enfrentamento à pandemia no novo coronavírus no Maranhão posicionou-se contra o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, com ou sem azitromicina, para casos confirmados de Covid-19 que apresentem sintomas leves e em fase precoce.

A orientação foi apresentada nessa segunda-feira 18, um dia depois do governo de Flávio Dino (PCdoB) tornar oficial —após vazamento na rede social Facebook— a mudança repentina e sem apresentação de qualquer estudo científico no protocolo de atendimento a pacientes diagnosticados com a doença.

Segundo o novo direcionamento da SES, que a própria gestão estadual afirma ter sido implementado desde o último dia 12, pacientes com sintomas leves de Covid-19 que procurarem as unidades públicas de saúde da rede estadual, se receitado pelo médico durante o atendimento, poderão receber e levar para casa um conjunto de fármacos que combinam Hidroxocloroquina/Cloroquina, Azitromicina, um corticoide, vitaminas C e D, além de remédios para febre e dores, como paracetamol e dipirona.

Para a Comissão de Infectologia, porém, além de não possuir respaldo científico, esse novo protocolo coloca a população em risco, inclusive de morte. Baixe o documento.

“Frisa-se que a maioria dos estudos não avaliou, até aqui, o emprego da droga em fases mais precoces da doença. A suposição de que a ação antiviral de uma droga tenha maior impacto clínico quando usada nos primeiros dias de sintomas, num momento de grande replicação viral, é plausível e encontra eco em outras infecções virais, como naquelas por herpes simples, varicela-zoster e Influenza. Contudo, isto não é um álibi que inverta a lógica científica e favoreça a indicação ‘até que se prove o contrário’: o ônus da demonstração recai sobre estudos que comprovem a eficácia. Ademais, estudos observacionais recentes, supracitados, desfavorecem a hipótese de que pacientes já em uso de HCQ estejam protegidos da infecção e evolução para gravidade”, diz trecho do parecer.

“A indicação indiscriminada de CQ/HCQ para todos os casos de Covid-19,
acarretaria uso massivo da droga na população. Ao incluir todos os casos leves, considerando que a grande maioria não evolui para gravidade, os riscos da droga podem sobrepujar os já incertos benefícios. Por não ser inócua, salienta-se os riscos (em especial, arritmia grave) que podem ocorrer em uma população com perfil de riscos distinto daquelas que são tratadas com a mesma droga para outras condições – idade avançada, doenças cardiovasculares e uso concomitante de outras drogas que aumentam intervalo QT (p.ex. azitromicina) e estado grave/crítico. Portanto, não se pode extrapolar a experiência de uso limitada a determinadas condições patológicas para a nova população. Além disso, uma eventual indicação precoce de CQ/HCQ enseja uma ainda maior necessidade de realização de testes confirmatórios. De outro modo, haverá prescrição irracional para condições outras que não Covid-19, dada a inespecificidade de muitos dos sintomas, expondo populações a efeitos colaterais sem indicação”, continua.

Elaborado pela Virion Infectologia, empresa contratada pela SES há cerca de um mês para auxílio em estudos relacionados ao enfrentamento à pandemia, o documento é assinado pelos infectologistas Ana Cristina Rodrigues Saldanha, Bernardo Bastos Wittlin, Conceição de Maria Pedrozo e Silva de Azevedo, Elza Carolina Cruz Sousa Barros e Eudes Alves Simões Neto, professores da UFMA (Universidade Federal do Maranhão) e integrantes do corpo médico de especialistas do Hospital Universitário da UFMA; e pela Pediatra e também professora da UFMA, Mônica Elinor Alves Gama.

Citando importantes entidades representativas de especialidades médicas diretamente ligadas ao enfrentado ao novo coronavírus, eles também concluem que, “face às evidências [científicas] mais recentes”, também devem ser retirado do protocolo pela SES a recomendação para uso da cloroquina em pacientes internados.

Em outro trecho, os especialistas reconhecem que compete ao médico, durante o atendimento e em qualquer fase da doença, “de forma responsável, individualizada e compartilhada com o paciente, mediante termo de consentimento”, prescrever o medicamento.

Contudo, alertam: “Uma vez prescrevendo, é dever ético do médico expor ao paciente de forma clara as incertezas científicas, isto é, informá-lo da ausência de eficácia comprovada, bem como seus potenciais efeitos colaterais”.

“Desta forma, nos posicionamos contra a elaboração de ‘kits’ de tratamento para Covid-19, sob pena de causar a impressão para médicos e usuários de que há um tratamento de eficácia comprovada, ou mesmo uma cura, desencadeando uma corrida às unidades de saúde”, ressaltam.

Ainda no documento, a Comissão de Infectologia que assessora a SES enfatiza a necessidade de distanciamento social —o que contraria totalmente a decisão do governador Flávio Dino de liberar, sempre sem apresentação qualquer estudo científico, a reabertura do comércio e serviço não essencial da Aglomeração Urbana de São Luís, apesar da curva de contaminação do novo coronavírus continuar ascendente.

“Estamos diante de uma pandemia sem precedentes na História moderna, que já atingiu a marca de centenas de milhares de mortes no mundo e dezena de milhares no Brasil. Como grupo de médicos infectologistas, estamos atuando direta e indiretamente no atendimento aos pacientes com Covid-19, em todos os níveis de atenção (primária, urgência e hospitalar especializada). É sob esta condição que enxergamos a necessidade de respostas urgentes para a população. Enfatizamos a necessidade de distanciamento social, a única medida por ora comprovadamente eficaz para reduzir casos e mortes. Enfatizamos a necessidade de ampliar a testagem e fortalecer a rede assistencial, em todos os níveis de atenção, a fim de identificar os casos, prescrever medidas de isolamento, monitorar sinais precoces de agravamento e ampliar a oferta de leitos. A despeito da emergência global, a adoção de medidas terapêuticas não dispensa preceitos mínimos da medicina baseada em evidência. A ciência não é supérflua neste momento, senão o meio que, por excelência, é capaz de dar as respostas urgentes e necessárias; do contrário, sob pena de serem preconizadas medidas danosas e ilusórias à população e desviar o foco dos esforços necessários. Não à toa, centenas de estudos estão sendo semanalmente publicados em todo o mundo. O conhecimento médico que pretende ser alçado à recomendação deve se basear em dados e estudos, e não em depoimentos de experiência pessoal, divulgados por canais informais”, conclui.

O ATUAL7 solicitou ao Governo do Maranhão, em e-mail enviado às secretarias estaduais de Comunicação e de Saúde, um posicionamento sobre o parecer técnico dos especialistas e aguarda retorno. Nas redes e no site institucional, sempre sem apresentar qualquer estudo, a gestão estadual afirma estar baseada em evidências científicas para a adoção do novo protocolo.



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