Iracema Vale ignora lei e nomeia ficha suja para alto cargo na Assembleia Legislativa
Política

Iracema Vale ignora lei e nomeia ficha suja para alto cargo na Assembleia Legislativa

Ex-prefeito Aldenir Santana poderia voltar a ocupar função pública somente a partir de 2029. Legislação proíbe Executivo e Legislativo estadual de nomear para cargos em comissão pessoas que tenham condenação transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado

Em ato assinado nos primeiros dias após assumir o comando da Assembleia Legislativa do Maranhão, a deputada Iracema Vale (PSB) ignorou legislação aprovada pelo próprio Poder e nomeou para alto cargo na Casa um político ficha suja que, por lei, só poderia voltar a ocupar função pública a partir de junho de 2029.

Trata-se de Aldenir Santana Neves, um dos principais articuladores da campanha que resultou na eleição da parlamentar de primeiro mandato como a mais votada da história do estado para a Alema. Segundo publicação no Diário da Assembleia de 2º de fevereiro, ele agora é secretário do Gabinete da Presidência, e despacha a poucos metros da aliada.

Desde o último dia 14, mas com efeitos retroativos contados a partir de 1º de fevereiro, por portaria baixada pelo deputado Rodrigo Lago (PCdoB), 1º vice-presidente então em exercício-relâmpago de chefe maior da Casa, também ganhou poderes de fiscal de contrato de prestação de serviços. Na designação, vai fiscalizar o agenciamento de viagens e serviços correlatos prestados pela empresa Caravelas Turismo, de São Luís, ao Legislativo maranhense.

Ex-prefeito de Urbano Santos, município também administrado por dois mandatos pela hoje presidente da Assembleia, Aldenir Santana foi condenado em novembro de 2017 pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão, por unanimidade, a ressarcir aos cofres públicos R$ 3,4 milhões por irregularidades praticadas em operações realizadas nas áreas financeira, orçamentária e patrimonial do município, à época em que era gestor.

Recentemente, em julgamentos de apelações, ele voltou a ter condenações confirmadas por colegiado em segunda instância.

Em outubro de 2020, em decisão unânime, a 1ª Câmara Criminal do TJ-MA manteve sentença proferida pelo juízo de Urbano Santos, que condenou Aldenir Santana a cinco anos de detenção, por crimes contra a lei de licitações relacionados à compra de material escolar, medicamentos, serviços radiológicos e aquisição de medicamentos para o município de Urbano Santos.

Também em 2020, no mês de abril, por unanimidade, a Terceira Turma do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Primeira Região manteve a pena e pagamento de multa contra o ex-prefeito por improbidade administrativa, em razão dele haver se omitido do dever de prestar contas de recursos destinados ao Pnate (Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar). O dinheiro havia sido repassado ao município pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), autarquia vinculada ao Ministério da Educação, o MEC.

O mesmo colegiado do TRF-1, em maio de 2021, novamente por unanimidade, manteve outra condenação do ex-prefeito de Urbano Santos por improbidade após comprovada malversação de recursos públicos oriundos do Fundeb (Fundo de manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), do governo federal. O acórdão transitou em julgado desde 30 de junho daquele ano.

Pela Lei 9.881, de 30 de julho de 2013, a chamada Lei da Ficha Limpa do Servidor Público, Aldenir Santana é ficha suja, e não pode ser nomeado em cargo público até que seja cumprido todo o prazo de vedação estabelecido, respectivamente, em cada uma das diversas condenações que possui.

De acordo com a legislação, sancionada pela ex-governadora Roseana Sarney (MDB), é vedada no Poder Executivo e Legislativo estadual a nomeação para cargos em comissão e funções gratificadas de “condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”, por crimes contra “a administração pública e o patrimônio público” e praticados em contexto de “organização criminosa, quadrilha ou bando”.

A proibição vai desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena.

O ATUAL7 questionou Iracema Vale há mais de duas semanas a respeito da irregularidade na nomeação, em e-mail e mensagem enviados à diretoria de comunicação e à própria presidente da Casa, mas não houve retorno. A reportagem tentou ainda ouvir a deputada diretamente em seu gabinete, e o contato de Aldenir Santana, mas foi evitada pela chefe do Legislativo estadual.

Pela legislação, cabe ao Ministério Público estadual, atualmente sob comando do procurador-geral de Justiça Eduardo Nicolau, acionar a Assembleia Legislativa e derrubar a nomeação irregular. A própria Iracema Vale, por chefiar a Casa e ser a autoridade nomeante, é a maior envolvida com o ato, e pode figurar no polo passivo de eventual ação judicial.

Ainda de acordo com a Lei da Ficha Limpa do Servidor Público, antes da posse, Aldenir Santana deveria ter declarado não estar apto a assumir o cargo, independentemente de ter sido orientado a apresentar atestado de antecedentes criminais, fator obrigatório.

Por se tratar de caso com elementos de prova relacionados à improbidade administrativa, conforme entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), não há prerrogativa de foro, devendo a responsabilidade da atuação ser de algum dos promotores da defesa da probidade e do patrimônio público que desempenham as atividades nas Promotorias da Capital.

Pela desobediência, ela própria pode ser enquadrada por improbidade, e perder o mandato de deputada, além de ser condenada ao pagamento de multa. Caso nenhum dos membros do MP-MA, ao tomar conhecimento da irregularidade, não tomar as providências cabíveis, também poderá responder pelo ato, segundo o próprio dispositivo.

O secretário do Gabinete da Presidência da Assembleia Legislativa maranhense é alvo ainda de diferentes investigações e responde a diversas outras ações civis e penais que tramitam nos âmbitos estadual e federal sob suspeita de encabeçar esquemas de fraudes em licitação, despesas indevidas ou não comprovadas, dano ao erário, enriquecimento ilícito, falsidade ideológica e desvio de dinheiro público.

Até o momento, também foi alvo ao menos duas vezes de mandados de prisão e de busca e apreensão, todos expedidos com objetivo de desarticular organizações criminosas especializadas em fraudes e subtração de recursos públicos –incluindo de programas sociais, como Saúde da Família.

A primeira vez em que foi conduzido para a cadeia foi em dezembro de 2007, no bojo da primeira fase da Operação Rapina, deflagrada pela Polícia Federal com auxílio da CGU (Controladoria-Geral da União). A segunda ocorreu em março de 2013, em operação conjunta da SEIC (Superintendência Especial de Investigações Criminais), da Polícia Civil, e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas), do Ministério Público maranhense.

A Lei da Ficha Limpa do Servidor Público, que disciplina a nomeação para os cargos em comissão e funções gratificadas no âmbito do Poder Executivo e Legislativo estadual maranhense é de autoria do então deputado Zé Carlos (PT). Segundo defendeu o petista na época, a proposta teve como base a chamada “Lei da Ficha Limpa”, que tem como coautor o juiz aposentado maranhense Márlon Reis, e garante aos cargos eletivos no país um requisito obrigatório, que é a idoneidade moral comprovada por meio de não condenações.

Iracema Vale é a primeira mulher a comandar a Assembleia Legislativa do Maranhão. O fato histórico foi possível por interferência direta do governador Carlos Brandão (PSB), que emplacou a aliada como poste com objetivo de controlar o Poder Legislativo estadual e evitar enfrentamento dos deputados em pautas de interesse do Executivo. O irmão do mandatário, Marcus Brandão, é diretor institucional da Casa na nova legislatura.



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