Vara dos Crimes Organizados mantém sob sigilo investigação sobre desvio de emendas em São Luís

Considerando o interesse público e os princípios da publicidade, do direito à informação e da transparência, processo deveria estar aberto para acesso desde a deflagração da operação Véu de Maquiavel. Juízo alega necessidade de proteção à intimidade, privacidade e proteção dos dados pessoais dos investigados

A Vara Especial Colegiada dos Crimes Organizados mantém sob sigilo a investigação que apura a suspeita de participação de vereadores de São Luís em suposta organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro e desvio de recursos de emendas parlamentares.

No último dia 10 de agosto, pelo menos quatro representes da população da capital no Legislativo ludovicense foram alvo de busca e apreensão do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas) do Ministério Público do Maranhão. Os mandados foram cumpridos tanto em endereços residenciais quanto nos gabinetes dos vereadores.

A ação mirou também entidades sem fins lucrativos, que teriam sido utilizadas para escoar cerca de R$ 6 milhões oriundos de recursos das emendas, além da Secult (Secretaria Municipal de Cultura). Segundo o Ministério Público, sob blindagem da gestão Eduardo Braide, a pasta negou documentação solicitada pelos investigadores sobre a execução e o destino dado pelos parlamentares ao dinheiro público, embora os fatos apurados sejam da gestão municipal anterior.

Apesar do escândalo, o vereador Nato Júnior, presidente da Comissão de Ética da CMSL (Câmara Municipal de São Luís), mantém silêncio sobre o assunto.

Em tese, considerando o interesse público e os princípios constitucionais da publicidade, do direito à informação e da transparência, o sigilo dos autos deveria ter sido levantado logo após a deflagração da Véu de Maquiavel, como foi batizada a operação. O próprio Gaeco, segundo apurou o ATUAL7, fez essa solicitação nos autos.

No sistema PJe (Processo Judicial Eletrônico) do Tribunal de Justiça – 1º Grau, a busca pelos nomes completos dos vereadores alvo da operação, até o momento, não retorna qualquer processo relacionado às investigações –exceto o auto de prisão em flagrante de Edson Gaguinho.

Foram alvo da operação do Gaeco os vereadores Francisco das Chagas Lima e Silva, o Chaguinhas (Podemos); Edson Oliveira, o Gaguinho (União Brasil); Aldir Cunha Rodrigues Júnior (PL); e Joaquim Umbelino Ribeiro Junior (PSDB).

No caso de Gaguinho, a prisão em flagrante ocorreu por posse irregular de munições de arma de fogo de uso permitido e guarda de animais da fauna silvestre sem permissão de autoridade competente. Ele foi solto no mesmo dia, após pagar a quantia de R$ 8 mil relativa à fiança estipulada como condição para sair da cadeia.

Ao ATUAL7, a Vara dos Crimes Organizados respondeu que, mesmo em caso de solicitação do próprio órgão investigador, que na Operação Véu de Maquiavel é o Gaeco, cabe somente ao juízo decidir se a apuração deve permanecer ou não sob sigilo. Para tanto, alegou a necessidade de proteção à intimidade, privacidade e proteção dos dados pessoais dos investigados.

“A despeito de eventual pedido de levantamento de sigilo formulado pelo órgão do ministério público estadual, os direitos fundamentais de privacidade, de intimidade e de proteção aos dados pessoais de eventuais investigados devem ser compatibilizados com o direito fundamental à informação que assiste a sociedade em geral. Por esta razão, em quaisquer autos que estejam tramitando perante esta unidade jurisdicional, o segredo de justiça é levantado quando este Juízo Colegiado entende ser possível compatibilizar os direitos em questão”, diz trecho da nota assinada pela secretária Judicial da Vara Especial Colegiada dos Crimes Organizados, Isis Maria Nunes Milhomem Vieira.

“Ressalta-se que o Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo penal, prevê em seu art. 189 que os atos processuais são públicos. Todavia, conforme dispõe o inciso III, do referido artigo, tramitam em segredo de justiça os processos em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade”, completou.

Criada em janeiro do ano passado, a Vara dos Crimes Organizados tem como titulares, atualmente, os juízes Raul José Duarte Goulart Júnior e Marcelo Elias Matos e Oka. Há ainda um terceiro cargo, vago desde o último dia 16 de agosto, sob a responsabilidade temporária do juiz Francisco Ferreira de Lima.

A Véu de Maquiavel é a segunda operação deflagrada pelo Gaeco para apurar o desvio de recursos de emendas parlamentares de vereadores da CMSL, por meio de entidades sem fins lucrativos.

O órgão do Ministério Público maranhense já havia deflagrado, em novembro de 2019, a operação Faz de Conta, que apurou desvio de quase R$ 19 milhões e, nos últimos dois anos, resultou no oferecimento de pelo menos quatro denúncias contra os envolvidos nesse tipo de esquema criminoso.

Nas duas, as investigações foram iniciadas a partir de notificação da Promotoria de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social, que identificou indícios de irregularidades e desvio de verbas quando da análise de pedidos de renovação do atestado de existência e regular funcionamento de entidades sem fins lucrativos.


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