Parecer do então chefe do Ministério Público de Contas (MPC), Paulo Henrique Araújo dos Reis, e Acórdão do Pleno do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Maranhão, então presidido pelo conselheiro João Jorge Pavão, apontam que os dois órgãos deram prosseguimento a Concorrência n.º 001/2016-CEL, aberta pelo governo Flávio Dino, do PCdoB, por meio da Secretaria de Estado da Infraestrutura (Sinfra), para a construção de uma ponte rodoviária sobre o Rio Pericumã, no trecho Bequimão-Central do Maranhão, mesmo confirmando, nos próprios documentos emitidos, diversos ilícitos na concorrência.
Segundo dossiê obtido pelo ATUAL7, referente ao processo n.º 7696/2016, aberto na Corte de Contas após denúncia da Construtora Sucesso Ltda., objetivando a suspensão do processo licitatório em razão dos vícios insanáveis constatados no edital de licitação, inclusive do cálculo da planilha orçamentária, houve inicialmente a expedição de medida cautelar paralisando a concorrência.
A mudança
No entanto, quando da decisão sobre o mérito da questão, o MPC e o TCE maranhense mudaram o entendimento anterior e, mesmo ratificando e até parabenizando a Unidade Técnica do tribunal, decidiram ao mesmo tempo contrariar todas as orientações dos auditores estaduais de Controle Externo expostas no Relatório de Instrução n.º 6050/2016, e dar prosseguimento ao processo ilícito, numa grave ofensa aos princípios da isonomia, legalidade e competitividade — baixe o dossiê.
Dentre as várias aberrações, destaca-se o Parecer n.° 531/2016, emitido pelo procurador Paulo Henrique dos Reis, no dia 28 de junho de 2016, após apresentação de defesa pelo titular da Sinfra, Clayton Noleto, e o então presidente da Comissão Especial de Licitação (CEL) do Estado do Maranhão, Odair José.
Em vários trechos do documento, o então chefe do MPC — inclusive, alçado à função por Dino, a partir de listra tríplice — justifica que, havendo previsão orçamentária para a obra e para que não ocasionasse a frustração do interesse público envolvido com a realização do serviço, a concorrência poderia ter prosseguimento, mesmo diante da constatação de diversas ilegalidades.
“(…) A regra é que, havendo previsão orçamentária, o interesse público é resguardado com a execução da obra ou serviço. Penso que este é a finalidade de qualquer norma relativa à licitações. A satisfação da coletividade é, portanto, realizada com a execução do serviço. E se é assim, deve ser repudiada qualquer interpretação que vise, espiolhando nulidades, o excesso legalista, mesmo porque, frise-se bem, compete à Administração, conforme seu planejamento, estipular efetivamente quando pretende realizar suas funções, no caso construir uma ponte”, diz.
“É dever da Administração observar a legalidade administrativa na confecção de todos os atos do processo licitatório. No entanto, é impossível impor-lhe que tudo siga à risca do que foi especificado, sobretudo em obras de grande complexidade como esta sob análise. De outro modo, a legalidade é um princípio, uma meta a ser seguida em todas as fases do processo licitatórios. Porém, não é algo que possa ser medido milimetricamente, sob pena de se estancar a todo momento o início e o fim de obras e serviços. Enfatize-se bem: A supremacia do interesse público sobre o interesse privado é a essência do regime jurídico administrativo”, ressalta.
Num dos trechos, ao contra-argumentar sobre o eventual superfaturamento de R$ 374.794,65 (trezentos e setenta e quatro mil, seiscentos e noventa e quatro reais e sessenta e cinco centavos), de impacto no orçamento da obra, em razão de engano no Edital sobre o cálculo feita pela Sinfra no tocante a previsão do salário do servente na planilha orçamentária, o procurador sustenta que o impacto seria muito pequeno sobre o valor da obra para poder justificar o reinício da concorrência.
“Ao contrário do que sustentou a nobre relatoria técnica, o possível impacto orçamentário da eventual diferença salarial global, é muito menor que 1% sobre o valor da obra. Semelhantemente, sob esse novo prisma, nota-se que não se sustenta iniciar de novo o processo licitatório para acomodar questão técnica, atinente a ramo de direito específico, na hipótese que eventual falha – não é certa – pode implicar num eventual erro de menor de 1% (um por cento) sob o valor da obra”, defende.
Com base nesse parecer, em sessão ordinária do Pleno, realizada no dia 6 de julho de 2016. os conselheiros presentes decidiram, por unanimidade, conhecer o recurso de Reconsideração interposto pelo chefe da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Maranhão, Rodrigo Maia Rocha, determinando o prosseguimento da Concorrência nº 01/2016-CEL/CCL/MA e, ao mesmo tempo, na mesma alínea do Acórdão n.º 712/2016, que fosse regularizado o Edital em andamento, com monitoramento pela Unidade Técnica do tribunal.
Embora à primeira vista aparente ser uma explicação fantasiosa, é como se a Sinfra, tivesse recebido a autorização para construir a ponte sobre o Rio Pericumã sem os alicerces, e, somente depois, de parte da ponte já construída, sob acompanhamento dos auditores do TCE/MA, tivesse de colocá-los.
Sobre esse monitoramento, inclusive, em setembro daquele ano, a atual chefe do MPC do Maranhão, Flávia Gonzalez Leite, emitiu o Parecer n.º 732/2016, informando sobre a impossibilidade do cumprimento da determinação, em razão dos conselheiros haverem referendado o Certame ilícito, impedindo a correção dos vícios encontrados no Edital.
“Com a decisão pelo acolhimento do recurso e determinação de prosseguimento do certame, não há mais objeto a ser monitorado por esta Unidade Técnica relativo ao presente processo, tendo em vista que as ocorrências apontadas no Relatório de Instrução n.º 6050/2016 somente teriam efeito, se efetuadas as correções na planilha orçamentária do certame e consequente republicação do edital com a abertura do prazo inicialmente estipulado, o que restou impossibilitado com o acolhimento da peça recursal”, explica.
Conselheiros
Na sessão em que o Pleno do TCE/MA referendou, por unanimidade, o prosseguimento da concorrência com vícios, estiveram presentes, além do então presidente do tribunal, João Jorge Pavão, e do procurador-geral Paulo Henrique Araújo dos Reis, os conselheiros Álvaro César, Raimundo Nonato Lago, Edmar Serra Cutrim, Joaquim Washington Luiz de Oliveira e José de Ribamar Caldas Furtado (atual presidente da Corte), e os conselheiros-substitutos Antônio Blecaute (Relator) e Osmário Freire Guimarães.
Elefante branco
A justifica da importância da construção da ponte, utilizada pelo MPC e TCE maranhense para autorizar o prosseguimento da concorrência ilícita, parece não ter sido seguida pelo governador Flávio Dino.
Diversas imagens obtidas pelo ATUAL7, registradas no mês de abril último, mostram que, dois anos depois, a obra está longe de ser concluída.
No local, apesar de Dino e Noleto haverem divulgado em suas redes sociais, nesta semana, fotos de carretas com estrutura metálica para a ponte chegando à Baixada Maranhense, o que existe é apenas o canteiro de obras e poucas estacas, em apenas uma das cabeceiras onde, segundo a vigência contratual, que termina em setembro deste ano, já deveria haver quase a totalidade da ponte.
Epeng
A vencedora do certame ilícito, conforme mostrou o ATUAL7, foi a Epeng – Empresa de Projetos de Engenharia Ltda, em consórcio com a empresa FN Sondagens.
Localizada no município de Codó, a empreiteira pertence ao casal Francisco Antelius Servulo Vaz e Marcia Karla Oliveira Borges Vaz, alvos da Operação Ápia, da Polícia Federal, contra fraudes em licitações de obras de terraplanagem e pavimentação asfáltica no interior do Tocantins.
Esse processo licitatório, inclusive, foi omitido ao TCE/MA pela Sinfra, além de um aditivo de outro, que também deixou de ser encaminhado por Clayton Noleto ao Sistema de Acompanhamento Eletrônico de Contratação Pública (Sacop) do tribunal.
Deixe um comentário