A apuração aberta pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Maranhão sobre a compra e pagamento antecipado de 70 respiradores pulmonares pelo governo Flávio Dino, sob dispensa de licitação e que nunca foram entregues para tratamento de pacientes com Covid-19, segue empacada, agora no âmbito do Ministério Público de Contas que atua junto à corte.
Instaurado há cerca de um ano e quatro meses, o acompanhamento de fiscalização, como é chamado internamente esse tipo de procedimento investigatório, já poderia ter sido convertido em tomada de contas especial, apuração que busca quantificar danos ao erário e identificar seus responsáveis.
O processo, contudo, foi encaminhado ao MP de Contas para apresentação de parecer há mais de um mês, e só voltou a ter nova movimentação na semana passada, um dia após o ATUAL7 procurar o órgão.
Ainda assim, não diminuirá a lentidão do caso, já que o parecer assinado pelo procurador de Contas Paulo Henrique Araújo dos Reis teve como objetivo único retornar os autos ao gabinete do relator, conselheiro-substituto Antônio Blecaute, para solucionar um possível prejuízo à defesa do secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula, em razão de uma petição identificada como recebida no sistema processual não estar disponibilizada para leitura.
Questionado sobre a demora para apresentação de manifestação sobre a compra dos respiradores fantasmas, em resposta ao ATUAL7 em tom exasperado, o MP de Contas alegou que não existe um período de tempo determinado para que essa função seja cumprida, mas apontou que o tempo médio é de até dois meses.
“O Ministério Público do Maranhão (MPC-MA) não tem prazo para emissão de parecer e, devido à alta demanda de processos relatados e distribuídos, o tempo médio para esse envio é de um a dois meses, dependendo da natureza do processo. Logo, é absolutamente normal que um processo que chegou ao MPC no dia 10 de outubro ainda não tenha emissão de parecer. Quem deseja maior celeridade, pode se dirigir ao gabinete do procurador e falar diretamente com ele”, replicou.
A sugestão para a conversão da apuração em tomada de contas especial foi apresentada desde julho pelo chefe da Secretaria de Fiscalização do TCE-MA, Fábio Alex de Melo, também somente após provocação do ATUAL7, em relatório em que reforça a gravidade de irregularidades apontadas há mais de um ano, por duas vezes, pelo núcleo de fiscalização da corte.
Segundo relatório de instrução assinado pela auditora Aline Garreto, pesquisa de preços feita pela CGU (Controladoria-Geral da União) em abril do ano passado, em compras efetuadas por estados e municípios, constatou que o preço médio pago por respirador mecânico foi de R$ 87 mil. Já o Maranhão, nas compras feitas pela SES (Secretaria de Estado da Saúde) via Consórcio Nordeste em contratos de rateio, pagou quase R$ 200 mil, em média, por unidade.
No primeiro negócio envolvendo os respiradores fantasmas, de R$ 4,9 milhões por 30 aparelhos, o dinheiro foi integralmente pago à HempCare Pharma Representações Ltda, e nunca devolvido aos cofres públicos. Já na segunda operação, de R$ 4,3 milhões por 40 aparelhos, houve devolução de parte do recurso desembolsado, mas com prejuízo de quase meio milhão de reais aos cofres públicos do Estado, decorrente de variação cambial, já que a compra junto à empresa Pulsar Development Internacional Ltda foi efetivada em Euro.
O titular da SES, Carlos Lula, é ex-advogado eleitoral do governador Flávio Dino e presidente do Conass, conselho que representa secretarias estaduais de saúde.
Além de permanecer omitindo a compra dos aparelhos fantasmas no Portal da Transparência do governo do Estado, dificultando o controle sobre o uso e destino dado ao dinheiro público reservado para enfrentamento à pandemia, no bojo do processo que tramita lentamente no TCE do Maranhão, Lula ainda busca a decretação de sigilo e o afastamento da auditora Aline Garreto do caso, pedidos que ainda precisam ser decididos por Blecaute.
O escândalo também deveria estar sendo investigado no âmbito do Ministério Público do Maranhão, mas o órgão que tem como função principal zelar pela boa aplicação da lei arquivou uma representação dos deputados oposicionistas Adriano Sarney (PV), César Pires (PV) e Wellington do Curso (PSDB) que pedia a apuração, dentre outros indícios de ilícitos, sobre a falta de transparência na compra dos aparelhos.
Acolhido pelo procurador-geral de Justiça, Eduardo Jorge Hiluy Nicolau, o arquivamento seguiu orientação do promotor Danilo José de Castro Ferreira, da assessoria especial de investigação de ilícitos praticados por agentes políticos detentores de foro privilegiado, braço direito do chefe máximo do MP maranhense.
Após uma série de trapalhadas, como a solicitação de documentos à diversas secretarias do primeiro escalão alheias à compra dos respiradores pulmonares, Danilo Ferreira entendeu que não houve conduta irregular por parte de Carlos Lula, segundo ele, devido à ausência de crime ou ato de improbidade administrativa.
Desde julho, o ATUAL7 vem tentando acesso aos autos via LAI (Lei de Acesso à Informação), mas o próprio Ministério Público vem deliberadamente negando, sob alegação infundada e ilegal de que é necessário ser explicada a finalidade para a obtenção da documentação.