A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou toda a investigação criminal sigilosa que corria contra o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA) e mais outros 11 parlamentares relativa à suspeita de comercializar créditos da cota de passagens aéreas, escândalo que ficou conhecido como a farra das passagens, uma apuração que começou há dez anos. A informação é do Congresso em Foco, que revelou o escândalo em 2009.
Além de Maranhão, também foram inocentados e ficaram ficaram livres da acusação por peculato os deputados Afonso Hamm (PP-RS), Aníbal Gomes (PMDB-CE) e Dilceu Sperafico (PP-PR), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Darcísio Perondi (PMDB-RS), José Airton Cirilo (PT-CE), Júlio Delgado (PSB-MG), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Sérgio Moraes (PTB-RS), Valadares Filho (PSB-SE) e Zé Geraldo (PT-PA).
Os únicos punidos no episódio até agora foram servidores de gabinetes da Câmara dos Deputados, que acabaram exonerados. Em parecer sigiloso, redigido em três páginas e meia, o procurador-geral diz não ter encontrado indícios de que os parlamentares soubessem do esquema de desvio de recursos. Com base na recomendação, o ministro Teori Zavascki determinou, em março deste ano, o arquivamento do inquérito. Mas só agora a decisão veio à tona.
Contudo, se Waldir Maranhão e esses outros 11 deputados têm motivos para respirar aliviados, outros 443 ex-parlamentares correm o risco de ter de se explicar à Justiça. Dentre eles 11 maranhenses; todos denunciados por peculato pelo procurador Elton Ghersel, da Procuradoria da República na 1ª Região.
São eles: o vice-governador, Carlos Brandão (PSDB); o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Gastão Vieira (PROS); e os prefeitos de Imperatriz, Sebastião Madeira (PSDB), e de Santa Inês, Ribamar Alves (PSB); os prefeitos eleitos de Barreirinhas, Albérico Filho (PMDB); e de Paço do Lumiar, Domingos Dutra (PCdoB); o secretário de Estado do Trabalho e Economia Solidária, Julião Amim (PDT), e os ex-deputados federais Clóvis Fecury (DEM), Remi Trinta (PP), Sétimo Waquim (PMDB), Nice Lobão (DEM) e Pedro Novais (PMDB).
Elton Ghersel entendeu que há indícios de que esses ex-congressistas utilizaram a verba pública para viagens de turismo ou cederam seus créditos para terceiros, em atividades que não diziam respeito ao exercício do mandato, apropriando-se indevidamente de dinheiro público. Se o Tribunal Regional Federal da 1ª Região aceitar a denúncia, eles responderão a processo como réus.
Isentados por assessores
Em seu parecer pelo arquivamento das apurações, Janot ressaltou que nenhuma requisição de passagens foi assinada pelos deputados e que os servidores ouvidos isentaram os parlamentares ao dizer que eles ignoravam que as agências de turismo eram usadas para emitir bilhetes ou fazer empréstimo de passagens.
“Mesmo que tenha havido comercialização de passagens, não há elementos que autorizem a conclusão de que os parlamentares investigados tivessem conhecimento disto”, escreveu Janot. Segundo ele, as normas para uso da cota eram vagas e não faziam “restrições quanto aos destinatários das passagens”. “Ocorre que práticas como as objeto desta investigação eram usuais e disseminadas na Câmara dos Deputados, contando com o beneplácito da Mesa”, acrescentou.
Por isso, argumentou, os parlamentares não devem ser punidos criminalmente. Essa realidade, segundo o procurador, só mudou após a Câmara mudar as regras sobre o uso da cota aérea e impor “limites concretos” aos gastos, ao proibir, por exemplo, que deputados utilizem o recurso para viagens de turismo.
Censura moral e cível
“Condutas como anuir com cessão e empréstimo de passagens com outros gabinetes e conceder passagens a terceiros para tratamento de saúde ou em atividades relacionadas ao mandato são passíveis de censura apenas no plano moral e cível”, ressaltou Janot.
Em abril de 2009, cinco procuradores recomendaram ao então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), que a Casa seguisse princípios constitucionais para o uso das passagens aéreas. Em outras palavras: dinheiro público só pode ser usado para trabalho e os atos da administração só podem ser feitos se houver autorização legal escrita.
“Ao agente do Estado só é lícito agir quando expressamente autorizado por lei ou ato normativo que o valha”, escreveram os procuradores Anna Carolina Maia, Bruno Caiado de Acioli, Carlos Henrique Lima, Daniela Batista Ribeiro e Paulo José Rocha em ofício à Câmara. “O silêncio da lei ou da norma que rege a matéria deve ser interpretado como vedação à prática das condutas não autorizadas expressamente”, acrescentaram.
No entendimento deles, mesmo as regras antigas da Câmara impediam o uso irrestrito das passagens: “Não há no Ato da Mesa nº 42/2000 qualquer autorização para utilização da referida Cota para emissão de bilhetes aéreos em nome de terceiros que não o parlamentar”.
Comércio ilegal
O inquérito foi aberto em 2006 após a Polícia Legislativa da Câmara receber uma denúncia de que o agente Pedro Damião Pinto Rabelo, da agência Morena Turismo, comercializava créditos de passagens. Por causa do foro dos parlamentares, o caso foi remetido à Procuradoria-Geral da República e à Polícia Federal. Depois que a farra das passagens veio à tona, a Câmara abriu uma sindicância interna que responsabilizou apenas servidores. As informações, porém, foram incluídas no inquérito que corria desde 2006 na PGR.
Conforme as investigações, Damião comprava dos gabinetes dos parlamentares créditos de passagens aéreas com deságio de 15% a 25% e vendia para terceiros fora do Congresso. Outros operadores também atuavam-no esquema.
A sindicância levantou indícios contra 39 parlamentares e seus servidores. No entanto, as análises da PGR ficaram restritas aos 20 políticos que ainda eram deputados. Atualmente, só 12 exercem mandato na Câmara. Foram esses os casos arquivados por Janot. Em relação a dois deputados, havia um inquérito à parte cujo parecer foi feito com base na primeira apuração. O inquérito sobre outros seis ex-deputados deve seguir agora em outros tribunais pelo país, já que eles não têm foro privilegiado mais.